Caetano Veloso
30 de julho de 2022
Teatro Guaíra
Curitiba/PR
Por Clovis Roman
Fotos por Camila Kovalczyk
Caetano Veloso é foda. Fez mais que qualquer outro, flertou com diversos estilos, sempre antenado com as mudanças perenes e efêmeras da música brasileira. Aos 80 anos, sendo desses quase seis décadas de carreira, Caetano ainda entrega um show marcante, graças a seu vasto repertório e carisma, que se reflete em seu total domínio e poder de encantar o público.
Divulgando o mais recente álbum, Meu Coco, cantou sete canções do trabalho, em meio a clássicos atemporais da MPB. Destas, “Ciclâmen do Líbano” e “Enzo Gabriel”, principalmente a segunda parte, se destacaram, assim como “Anjos Tronchos”. A iluminação discreta e perfeita foi um complemento. As luzes apagando ao fim de cada canção foram um toque especial.
Uma ode a Lula, entoada pelo público, veio antes da oitava canção da noite, “Trilhos Urbanos”. Sugestivo. Impressa no setlist, “Cobre” foi cortada, fazendo com que logo após “Araçá Azul” viesse “Cajuína”, na qual Caetano cantou forte e ainda aproveitou para fazer uma dancinha na lateral do palco, enquanto seu crew arrumava o pedestal do microfone. Ainda tivemos “Reconvexo” e a repleta de camadas sonoras “A Outra Banda da Terra”.
Nesta, Caetano sem pressa alguma, contextualizou a origem da canção e sua abordagem fonética ao cantá-la: “Ela tem uma coisa importantíssima, entre outras, que é o fato de eu ter decidido pronunciar os ‘erres’ [letra R] da primeira estrofe todos retroflexamente. Naquela época, se pensava que isto estava em vias de desaparecer no Brasil, hoje está imensamente presente na televisão, internet, entre políticos e pessoas que dão entrevistas e explicam coisas, que falam com certo ‘esforço’”, disse, forçando o “erre” na fala, logo antes de afirmar que no Paraná o retroflexo é bastante comum na pronúncia.

Curiosamente, a bastante conhecida “Leãozinho”, em interpretação sublime de Caetano e sua banda igualmente admirável, não causou tanto frissom como esperado. “Itapuã” foi derramada frente a um público praticamente inerte.
A fodice de Caetano foi mais uma vez escancarada diante de nossas faces com “A Bossa Nova é Foda”, curiosamente, um rock visceral repleto de tecladeira e irreverência. Criou um vácuo que levou “Baby” (criação de Caetano eternizada na voz de Gal Costa) ao papel de mera coadjuvante no repertório.
Música nova, “Sem Samba Não Dá” cita nomes de inúmeros e inomináveis artistas da nova safra, a maioria autores de crimes musicais inafiançáveis. O tempo mostrará que estes cantados hoje por Caetano, amanhã estarão relegados a lata de lixo da música. Caetano, por sua vez, permanecerá no além vida como pilar da música brasileira, afinal, Caetano é foda.
Como uma irônia calculada, outra canção de Meu Coco, no caso, a faixa-título, recita nomes grandiosos da arte brasileira. Uma venera astros, outra, meros aspirantes. Venera ou zomba. Vai saber.
Repertório
Avarandado
Meu Coco
Anjos tronchos
Sampa
Muito romântico
Não vou deixar
You Don’t Know Me
Trilhos urbanos
Ciclâmen do Líbano
A outra banda da terra
Araçá azul
Cajuína
Reconvexo
Enzo Gabriel
O leãozinho
Itapuã
Pulsar
A bossa nova é foda
Baby
Menino do Rio
Sem samba não dá
Lua de São Jorge
Mansidão
Odara
Noite de cristal
