Criolo é, sem dúvida, um dos grandes nomes da música brasileira. Desde que tomou conta da cena popular com ótimo Nó na Orelha, o artista tem criado um estilo único, com sonoridades de diversas regiões do Brasil, e claro, muito rap. O recém-lançado álbum Sobre Viver se mostra uma evolução natural das vivências e experiências do músico.
Há algumas semanas (26 de agosto), Criolo se apresentou na Live Curitiba, ao lado de Marcelo D2 e concedeu uma entrevista exclusiva ao Acesso Music. Por coincidência da ocasião, ele revelou a participação no novo álbum do Planet Hemp. O single, Distopia, será lançado no dia 20 de setembro, já o álbum de inéditas ficará para outubro.
Entrevista conduzida por Kenia Cordeiro
Primeiramente, obrigada por nos receber neste momento…
Alegria!
A primeira pergunta que eu gostaria de fazer é: você ficou cinco anos sem lançar um trabalho seu. Claro, você fez várias participações, gravou o trabalho com o Milton Nascimento e tudo mais, mas assim, esse hiato, ele foi proposital? Por que você levou esse tempo pra lançar um trabalho novo?
Criolo: Acho que aconteceu, eu não queria não. Eu não queria não, mas ao mesmo tempo, também não fico forçando. Mas demorou pra chuchu! Demorou muito, cara. Eu pensei que eu não fosse fazer outro disco mesmo, de verdade. E aí devagarinho foi acontecendo, foi acontecendo, acontecendo, teve uns encontros que a gente fez uns singles, né? A gente tinha feito “Boca de Lobo” com o mr. Daniel Ganjaman e o querido Nave. – O Nave é daqui, né?
DJ DanDan: o Nave é!
Criolo: O Nave é daqui, é incrível, maravilhoso, filho da terra. Aí depois a gente fez o “Fellini”, com os queridos Deekapz, Neguim. e mr. Daniel Ganjaman. Aí a gente acabou fazendo um single chamado “Sistema Obtuso”, com o Tropkillaz. Aí depois a gente fez o “Cleane”, que foi uma música de homenagem a minha irmã. E aí essa aproximação, o Tropkillaz também foi muito importante pra essa retomada, e foi indo devagarinho, devagarinho… aí quando foi ver, a gente trabalhou um ano em alguma coisa e surgiu um álbum, mais por conta dessas aproximações, por conta desse apoio, dessas pessoa incríveis. Mas eu achava que não ia rolar mesmo.
Legal! E assim, você participou também desse último trabalho do D2, né? Do “TAMBOR, O SENHOR DA ALEGRIA”, como foi essa participação?
Criolo: Ah, foi incrível, o Marcelo foi genial, fez um disco incrível. Foi indicado ao Grammy com esse disco. Me convidou pra ler um texto maravilhoso e foi sensacional, velho! Uma honra muito grande.
E vai rolar o feat. hoje?
Criolo: Não sei, vamo ver, tenho que falar com ele, vou dar um alô nele, não falei com ele ainda. E ele me convidou também pra cantar o refrão que eles escreveram pro disco novo do Planet, então vem essa colaboração também.
Vem coisa boa, massa! E, cara, tanto o D2, o D2 começou com – como eu posso dizer? – essa cara do rap brasileiro, assim de misturar influências, e você também mistura muita coisa… Esse último disco, o Sobre Viver, ele tem muito mais partes cantadas do que necessariamente a parte “falada” do rap. Como que é essa questão das influências, de onde vocês buscam pra criar essa sonoridade do rap característico do Brasil?
Criolo: Eu acho que é muito dessas caminhadas, deestar com esses músicos maravilhosos. Todos esses que estão aqui hoje foram pessoas que pensaram arranjo, pensaram contribuição para o álbum, cada um deles tem uma caminhada muito grande. O Bruno [Buarque] é multi-instrumentista, é produtor musical, ele tem uma história grande na música, tanto de quem tá construindo música, quanto a pessoa que dá suporte pra quem construiu música. O Ed [Ed Trombone] é maravilhoso, tem o Sambeto, tem… – Qual o nome daquela banda, mano? Que você falou pra mim… Gigante Mamute… Nossa, a gente trabalhou com tanta gente incrível, maravilhosa! O Maurício Badé acabou de fazer um trabalho incrível, eu tenho o vinil aí, acho que até esgotou, que é da Batucada Tamarindo, que é uma coisa absurda. E ele vem trazendo também a regionalidade de um lugar chamado Pernambuco, que tem toda uma espiritualidade, tem todo um porquê, e é da quebrada! E o DJ DanDan, que é amizade de 25 anos, 22 anos de palco, mais ou menos isso aí, e vem de Diadema, e fez parte da primeira turma que habitou, ocupou e fundou a primeira casa de hip-hop do Brasil.
Então, todas essas pessoas juntas, essas outras pessoas que participaram dos outros álbuns, que são incríveis, eu acho que a gente vai aprendendo com elas e isso vai se reverberando na vida. Então, o Sobre Viver nasce também dessa força que às vezes você acha que é indireta para o álbum, mas é direta na sua vida, que reverbera quando você tem um processo de criação. Então, eu acredito que foi muito esse axé dessas pessoas próximas e muito rap, muito rap maravilhoso do Brasil, e muito sotaque do Brasil, e muita música regional do Brasil, que faz com que nasça esse escambo cultural incrível que o rap oferece.
Ah, maravilha! E a gente falou antes sobre as participações que você já fez, né? Tem algum artista que você sonha em fazer um trabalho junto?
Criolo: olha, eu não ouso mais nem falar nada, acho que a música já nos deu tantos presentes, né, DanDan? De poder estarno palco com grandes mestres, é… Ah, é muita gente, cara! Ney Matogrosso, maravilhoso, Tom Zé, Caetano, Milton, meu Deus! Aí, quem mais, DanDan? É muita gente, né? Mulato Astatke, Tony Allen, é… aí, é difícil, a gente começa a citar nomes e fica cabreiro, porque a gente sempre vai esquecer oitenta por cento, ne? Mas falando assim rápido…
DanDan: eu acho que também o que é mágico no subúrbio é a gente poder tocar com os meninos que a gente viu crescer também, sabe?
Criolo: ah, sim!
DanDan:que a gente viu lá desde o início, cada vitória também dos MCs, sabe? Então é legal que a gente tromba aí com o Rashid, quando a gente faz uma música com o Rashid. Quando a gente faz um show com o Projota que tá lá, tá ligado? Quando a gente faz um show junto com o Emicida, tá ligado? Quando a gente tromba a Flora Matos num rolê, então poder ver essa galera…
Criolo: a Karol, a Karol Conká!
DanDan: a Karol, o Rael! Então, quando a gente tromba essa galera que a gente viu crescendo, pra gente é uma satisfação, uma alegria. Eu acho que eu posso falar por ele também… Então é bem especial essa parada, e quando a gente vem aqui, a gente trombar alguém daqui! Teve uma época que a cena do hip-hop era muito forte aqui, era muito forte… Cê tinha o Léo Sentimento, um cara sensacional, deve estaraí fazendo algum trabalho. Tem o Baqueta, que é DJ também e tal, e ele faz um trabalho importantíssimo aqui, que é dar oficinas pra galera de DJ, contando história e tudo mais, inclusive já vim aqui, participei de uma troca de ideias, de experiências, sabe? Então, aqui tem pessoas maravilhosas e importantes.
Criolo: o Cabez!
DanDan: o Cabez, grande beatmaker…

A Karol Conká é daqui também, né?
Criolo: É daqui, maravilhosa! O Laudz é daqui, que é da Tropkillaz! Nossa, é tanto produtor bom aqui, tanto beatmaker bom aqui…
DanDan: sem falar do lendário DJ Primo!
Criolo: o Primo é maravilhoso… Muita gente especial aqui dessa terra!
Ah, que incrível, gente! E assim, ouvindo o Sobre Viver, a minha interpretação é que ele tem algumas passagens bem introspectivas, né? Como se fosse uma mensagem sua pra você mesmo. Que faixa ou parte desse álbum seria o melhor conselho pra você ou pra alguém que tá começando agora?
Criolo: O álbum todo! O álbum todo é uma celebração da vida, é um pouco de reativar a fé, é muito desabafo, também. Tempos terríveis, momentos difíceis, mas a gente não quer que as pessoas fiquem paradas nisso, mas também não quer que cubra isso, que vire as costas pra isso. Mas nós precisamos celebrar, sorrir, brincar, dançar, dar um passo pro futuro, mas a gente não pode esconder que a gente não teve tempo de luto. O Brasil está enlutado. Nós precisamos ter o nosso luto, se possível não passar por cima, engolir de qualquer jeito que nos rasgue por dentro todas as nossas dores, tanto nas dores antigas quanto essas de agora. Brasil chora seus mortos, né? Então, é um álbum de muita energia, um álbum com coração esparramado de todas as pessoas envolvidas. Eu lembro do Ed fazendo os arranjos pra “Me Corte na Boca do Céu”, o Bruno também ali, dando sua contribuição, pegando suas melhores referências, Mauricio Badé participando de “Ogum, Ogum”, participando de “Aprendendo a Sobreviver”, então… O álbum todo, eu convido vocês, quando tiverem um tempinho pra escutar esse álbum e as obras desses artistas incríveis, e, se possível, visitar o show! Porque o show, ele traz outras e outras camadas de vivências pós construção do álbum, então tem muitos sentimentos e muitas concepções musicais que se desdobram a partir do álbum. Não acaba no álbum e por isso que a gente faz convite e fala para as pessoas o quanto é importante ir ver o show, porque o show é a partir do álbum, não morre no álbum!
É isso, então! Muito obrigada, foi uma honra.
Que é isso, a gente que agradece!
Fotos: Camila Kovalczyk
