[Cobertura] O dia fez-se em noite na despedida do Skank

Skank
04 de março de 2023
White Hall – Jockey Eventos
Curitiba/PR

por Clovis Roman e Kenia Cordeiro

A turnê de despedida do Skank vem se estendendo há anos, para a sorte dos fãs. Pelo que Samuel Rosa declarou durante a apresentação em Curitiba, há motivos para acreditarmos que não é o fim, apenas uma pausa: “Essa parada que o Skank vai dar” deixou aberto caminhos interpretativos.

Mesmo assim, cerca de dez mil pessoas preferiram não arriscar e compareceram em peso ao Jockey Eventos, que recebeu uma grande estrutura nessa noite memorável. Por volta das 21 horas, Samuel Rosa, Haroldo Ferretti, Lelo Zaneti e Henrique Portugal saúdam a galera e abrem com uma canção lenta e melancólica: “Dois Rios”, um primor poético de rara beleza, composição de Rosa em parceria com Lô Borges e Nando Reis. O movimento arriscado surtiu efeito, e enfeitiçou o público, que estava prestes a prestigiar uma agitação nostálgica. Após o momento sorumbático à meia-luz, vieram músicas dos anos 1990 cheias de energia, as quais o Skank era mestre em fazer, como “É uma Partida de Futebol” (outra co-assinada por Reis), “Esmola”, “Pacato Cidadão” e “É Proibido Fumar”, clássico do Roberto Carlos que o grupo mineiro tomou para si, já que o próprio rei a abnega, sendo presença escassa em seus concertos. Como que encerrando um primeiro movimento imaginário, a empolgante “Saideira” foi, por sinal, a última das mais agitadas, ao menos por um tempo.

Um bloco extenso de canções mais amenas e baladas serviu para agradar uma parcela significativa dos fãs presentes, como “Ainda Gosto Dela”, “Amores Imperfeitos” e “Balada do Amor Inabalável”, com sua pegada MPB quase cafona. A garra tomou as rédeas mais pra frente com “Jackie Tequila”, com Samuel Rosa, sem a guitarra em punho, interagindo bastante com o pessoal, e o baixo de Zaneti ganhando protagonismo com levadas maneiras. O músico foi um dos grandes destaques da noite, com uma performance reluzente, assim como Henrique Portugal, que introduziu linhas de teclados com um leve toque psicodélico em momentos cruciais, como justamente fez nesta música. É fácil notar referências do rock na execução do tecladista. E seu próprio passado o entrega: ele gravou as linhas de teclado de um dos mais importantes discos do metal brasileiro de todos os tempos, e na verdade, do mundo todo, o Arise, do Sepultura, com quem também gravou os seminais Schizophrenia (1987) e Beneath the Remains (1989). Obviamente, ele nunca foi membro, apenas um músico contratado, algo facilitado por todos eles serem mineiros.

Um grande trunfo do show do Skank em Curitiba foi “Mandrake e os Cubanos”, com uma redução crucial daquele vocal de apoio bobo da original. Fluiu muito melhor, até porque a composição em si é uma obra-prima da música pop. Não prevista no repertório impresso, a fabulosa “O Beijo e a Reza” foi uma grata surpresa, a primeira de tantas que teríamos mais pra frente. Outra foi “Estivador”, cujos alguns versos foram entoados por Rosa, acapella, a pedido de um cartaz erguido em meio a multidão. Se a proposta era surpreender (até nós mesmos, jornalistas, que sabemos de antemão o que será tocado), o Skank não deixou barato. O encore trouxe desde “Mil Acasos”, a jurássica “Tanto (I Want You)” e o hit radiofônico “Resposta” até a perfeita “Tão Seu” (diamante do estrondoso O Samba Poconé, 1996) e “Let it Be”, uma reverência ao The Beatles.

Pouco importa o que levou o Skank a tomar a decisão de encerrar as atividades, ou dar um tempo. O legado que deixaram até agora é um dos mais importantes da música brasileira, e isso jamais será apagado. Porém, eu aposto um tostão que, daqui a uns anos, Rosa, Zaneti, Portugal e Ferretti voltarão aos palcos e quiçá, aos estúdios.

Repertório
Dois Rios
É uma Partida de Futebol
Esmola
Pacato Cidadão
Uma Canção é pra Isso
É Proibido Fumar [Roberto Carlos]
Saideira
Canção Noturna
Ainda Gosto Dela
Amores Imperfeitos
Balada do Amor Inabalável
Ela me Deixou
Jackie Tequila
Te ver
Acima do Sol
O Beijo e a Reza
Três Lados
Vou Deixar
Garota Nacional
Mandrake e os Cubanos
Esquecimento
Sutilmente
Algo Parecido
Vamos Fugir [Gilberto Gil]