Candlemass
24 de abril de 2023
Blondie
Santiago, Chile

Por Clovis Roman e Kenia Cordeiro
A vinda do Candlemass para a América do Sul foi uma daquelas coisas que apenas um feitiço poderia explicar. A banda entrou no cast do Monsters of Rock brasileiro apenas porque o Saxon cancelou (coisa, aliás, que são craques em fazer) sua vinda apenas 40 dias antes do evento. Em todo caso, o Candlemass foi rapidamente anunciado como substituto dos britânicos furões. Com a passagem comprada, uma data extra no continente foi anunciada em Santiago, no Chile, no palco do lendário Blondie.
Como a vida do jornalismo às vezes nos presenteia com agradáveis surpresas, estaríamos presentes em ambos os eventos para as devidas coberturas jornalísticas. Depois de um show mágico, mas curto, no festival brasileiro, o quinteto sueco desembarcou no Chile para show solo único.
Com pontualidade, as duas bandas de abertura fizeram suas performances, e, infelizmente, por estarmos um país desconhecido, acabamos por perder a primeira delas, Blackflow, devido ao trânsito e demora do transporte. Ao menos, assistimos na íntegra a performance do Capilla Ardiente, cujo nome significa Capela em Chamas. O som também aposta no doom metal, e é possível notar a influência do Candlemass, principalmente da fase dos anos 1980 e do álbum branco. O vocalista Felipe Plaza Kutzbachtem um timbre e interpretação que em alguns momentos remetem ao lendário Johan Längqvist, do Candlemass. Inclusive, o próprio estava ao lado do palco assistindo a banda de abertura durante quase todo o set.
Entre as músicas apresentadas pelo grupo chileno, destaques para “Coagula”, do EP Solve et Coagula (2009), e a imponente “Into The Unknown Lands” – cuja letra fala sobre “se aventurar pelo desconhecido” –, do disco Bravery, Truth and the Endless Darkness, registro de estreia, de 2014. Ao anunciá-la, Plaza mostrou que pode haver um pouco de humor no doom: “Esta é a última música da noite. Ela dura 20 minutos”. Poderia ter, mas são apenas onze minutos de riffs soturnos e vocais lamuriosos.
Chegada a hora do Candlemass, o público chileno foi a loucura. Quase no sentido literal do termo, afinal, o pessoal lá sabe como curtir um show da maneira mais intensa possível, mesmo que seja em um de doom metal. Tudo bem que a primeira música, “Mirror Mirror” é quase um heavy, mas em todo caso, o frenesi se instaurou em segundos. Do colossal Nightfall, “Bewitched” é uma das mais famosas da banda, pelo seu videoclipe primitivo e engraçado, que chamava atenção pela dança do então vocalista Messiah Marcolin e pela presença de Dead, integrante do Mayhem, que morreria pouco tempo depois. Aliás, Nightfall e Epicus Doomicus Metallicus foram os carros chefe do repertório: oito das doze músicas vieram deles, quatro de cada. Nas duas primeiras, foi impressionante notar que, mesmo que sintamos falta da voz dramática de Messiah, ouvi-las com o perfeito Johan Längqvist, que é muito mais técnico e tem o mesmo nível de carisma e feeling, deu um upgrade nas faixas. A execução primorosa da banda, que vive grande momento técnico, foi a cereja no bolo.
Um fator que poderia atrapalhar essa equação foi a ausência de Lars “Lasse” Johansson, guitarrista que entrou justamente no Nightfall e gravou todos os discos desde então – desconsiderando a fase stoner do final dos anos 1990. Ele teve que se ausentar e então convocaram Fredrik Akesson (Opeth), antigo conhecido da família: ele tocou no Krux, magnífico projeto paralelo, infelizmente já inativo, de Leif Edling, baixista e chefão do Candlemass. Além disso, Fredrik e Lasse participaram do iminente EP do Ghost, Phantomime. Apresentações feitas, é desnecessário dizer que Akesson tirou de letra a tarefa, executando cada riff, nota, melodia com perfeição, colocando um pouco de si em alguns solos, e nada mais. É o tipo de respeito pelo legado que falta a muito guitarrista selvagem por aí.
Chegou a hora de entrarmos no universo do Epicus Doomicus Metallicus, com “Under The Oak”, gravada originalmente por Längqvist. O lamento pela extinção da humanidade em diferentes tons de desespero, sentimento no qual o narrador afunda até o momento em que ele mesmo sucumbe à existência. O sentimento de cada fã, ao ouví-la, é proporcionalmente inverso, pois os riffs metálicos, as melodias vocais cativantes e melódicas e a cozinha pesada causam uma sensação de alívio e até mesmo esperança.
A primeira grande surpresa veio com a apoteótica “The Bells of Acheron”, colosso do Ancient Dreams, terceiro álbum, de 1988, que ainda emendou o riff de “Ancient Dreams” no encerramento. Aliás, praticamente tudo veio dessa trinca inicial, com mais de 35 anos. A única exceção veio com “Sweet Evil Sun”, faixa-título do mais recente disco, que funcionou bem e não deixou o ritmo cair em meio a tantos clássicos.
Voltando aos anos 1980, “Dark Are the Veils of Death” (sem a intro do vinil original) deu sequência e a bíblica “Samarithan” foi a catarse coletiva. Arrastada e amargurada, conta a história de um homem recompensado por sua bondade com a visita de três anjos. Os temas retirados do referido livro são abundantes na discografia do Candlemass, como em “Black Stone Wielder”, uma espécie de conto dos três reis magos do mal, entre tantas outras. Uma pena que esta tenha ficado de fora do setlist.
Se “The Bells of Acheron” era inesperada, ainda mais foi “Bearer of Pain”, mesclando partes heavy e andamentos lentos e aflitivos, que se agigantou com o vocal maduro de Längqvist. Nessa, o vocalista inicialmente anunciou “Crystal Ball”, mas depois corrigiu, em meio a risadas dele e de seus colegas. O clima na banda, que teve tantos momentos tensos em sua formação, com vocalistas chatos no âmbito pessoal, hoje é harmonioso.
Fechando a primeira parte, a gigante “Crystal Ball” foi outro momento de elevação espiritual. Åkesson, como se integrasse a banda há anos, surpreendeu ao adicionar um solo extra em uma pausa no meio da canção. Versos como “Visions and Dreams you can see in the crystall ball” são daqueles que ficam para sempre na cabeça. Ao terminarem, o vocalista se dirige ao público e pergunta: “Vocês estão cansados?”. Quando a galera responde que não, ele e a banda saem do palco!
Pouco depois, os cinco retornam com a apocalíptica “The Well Of Souls”, uma das peças mais macabras da extensa discografia da banda sueca. Depois, Edling senta no praticável da bateria e inicia a introdução de “A Sorcerer’s Pledge”, junto do guitarrista Mappe Björkman. Este épico é uma obra a parte. Extensa, cheia de mudanças bruscas e inesperadas, tem melodias triunfantes, em especial aquela que vem após a parte percussiva no meio que sustenta uma melodia de teclado, no qual o público canta as partes de vocal feminino da gravação original. Quem, ao menos, não se arrepia nessa parte, está morto por dentro.
O adeus do Candlemass aos fiéis e ruidosos fãs chilenos veio com a esperada “Solitude”, clássico-mor de um catálogo vasto de preciosidades. A morte é cantada como libertação, e a despeito da visão elegíaca, traz consigo uma tranquilidade que, mesmo que de maneira efêmera, nos faz esquecer das amarguras cotidianas. Infelizmente, no setlist que estava no palco, havia a opção de tocarem “Demon’s Gate” no final, mas não rolou. Seja como for, os headbangers chilenos não precisaram de nenhuma bola de cristal para perceberem que haviam presenciado uma performance irrepreensível dos criadores e embaixadores do doom metal.
Sair do Blondie ainda meio desorientado com a cerimônia funesta que havíamos acabado de testemunhar, foi uma das melhores sensações que senti na vida. Ver o Candlemass ao vivo é muito mais que assistir a um simples show de metal, e sim, uma ressignificadora experiência de vida.
Repertório
Mirror Mirror
Bewitched
Under the Oak
The Bells of Acheron (plus Ancient Dreams riff)
Dark Are the Veils of Death
Samarithan
Sweet Evil Sun
Bearer of Pain
Crystal Ball
The Well of Souls
A Sorcerer’s Pledge
Solitude
Galeria de fotos
























