Bruce Dickinson
24 de abril de 2024
Live Curitiba
Curitiba/PR
por Clovis Roman e Kenia Cordeiro
Após dois shows memoráveis em Curitiba no final dos anos 1990, Bruce Dickinson não retornou mais à cidade, até porque, sua carreira solo deu uma estagnada na virada do milênio. Tyranny of Souls, de 2005, não teve uma turnê de divulgação, e alguns shows esporádicos rolaram uns anos antes. E foi só. Os papos sobre um novo disco circulavam volta e meia entre os fãs, mas apenas em 2023 que a coisa começou a tomar forma, até que, por fim, The Mandrake Project chegou às lojas e plataformas de streaming.
Diferentemente do antecessor, este álbum motivou o vocalista a pegar a estrada em uma turnê aguardada, portanto, há um quarto de século. Curitiba foi a sexta cidade desta turnê, a primeira em solo brasileiro. A expectativa era alta, tanto para rever Bruce sem Steve Harris e companhia ao seu lado, quanto pelo setlist, que teve algumas variações pontuais em alguns dos shows anteriores.

A intro “Toltec 7 Arrival” (que, curiosamente, não é a faixa de abertura de Accident of Birth, 1997, e sim, a faixa 2) colocou o coração da galera na boca. Todo mundo sabia que a abertura viria com “Accident of Birth”, um clássico atemporal e chorável. A reação da galera ia, de fato, das lágrimas, agitação e até mesmo muitos olhando petrificados o espetáculo que se iniciava. Mais recente (e mesmo assim, com quase duas décadas), a vigorosa “Abduction” manteve o ritmo, com um refrão simplesmente glorioso:
“What do you want from me?
I sense your mastery…
There’s something you won’t ever find
So have your way with me, this prisoner is never free
Rip me up, leave me behind”
Após a dobradinha metálica, a mais alternativa e descompromissada “Laughing in the Hiding Bush” mostrou novos caminhos para explorar o peso. Esta, foi uma das três oriundas do espetacular e normalmente renegado Balls to Picasso (1994). Outra foi a pérola e uma das maiores surpresas, a imponente e tensa “Gods of War” que, por mais genial que seja, não funcionou tanto ao vivo, quiçá, pela interpretação instrumental aplicada pela atual banda de Bruce, que consiste na baixista Tanya O’Callaghan (Whitesnake, ex-Dee Snider), a boa dupla de guitarristas Chris Declercq (ex-Blaze Bayley, vejam só) e Philip Näslund, além do curioso tecladista Mistheria (!) e do o fraco baterista Dave Moreno (Puddle of Mudd), que embolou algumas viradas e até mesmo andamentos mais retos. O solo de bateria dele não emocionou, tampouco.

A terceira faixa de Balls to Picasso, foi, obviamente, “Tears of the Dragon”, causadora de grande comoção, usada por Bruce para tirar uma pira nos bongôs, assim como fez na intro da seguinte, “Resurrection Man”. Na cover “Frankenstein” (do The Edgar Winter Group), foi além e além de batucar, já que não cantou, por ser uma canção instrumental, brincou com um theremin de maneira lúdica. O véio estava mesmo se divertindo, incorporando cada vez mais o espírito de Ian Gillan. Só faltou cantar descalço.
Como o público era formado, basicamente, por fãs com um certo conhecimento de causa, a quantidade de embalistas era bem menor, proporcionalmente, do que em um show do Iron Maiden, no qual é capaz de você encontrar até mesmo aquele seu vizinho aleatório no meio da platéia. Mesmo assim, impressionou o tanto de gente conversando durante o show (e como o som não estava tão alto quanto poderia, chegava a incomodar).
As músicas novas, em geral, tem bons ganchos e melodias, todavia, parece que falta uma liga e uma produção mais apurada e vigorosa. Ao vivo, esses fatores ficam de lado, nos permitindo avaliar as músicas sob outro prisma. Assim, “Rain on the Graves” segue do mediano para fraco; “Many Doors to Hell” e “Resurrection Men” cresceram, assim como “Afterglow of Ragnarok”, todavia, esta, já espetacular no CD e virou um colosso nos palcos curitibanos. No meio dessa maçaroca, fomos agraciados com “Chemical Wedding”, que une beleza, sensibilidade e peso de maneira ímpar.

Os três atos da turnê The Mandrake Project
O show pode ser observado tendo três partes distintas, mas intimamente conectadas. O bloco intermediário, mais vacilante, com as canções novas e a sempre funcional “Tears of the Dragon”, até “Gods of War”; o inicial, com a trinca acachapante de abertura mencionada acima; e o final, com cinco clássicos inquestionáveis – por mais que alguns desvairados tenham ficado com um pé atrás com “Navigate the Seas of the Sun” abrindo um encore. Malucos! Foi transcendental.
O single “The Tower” foi estendido para falatórios e apresentação da banda, e seus versos simples foram cantados a plenos pulmões, ao menos pela galera mais próxima a grade, onde estávamos neste momento. As épicas “Book of Thel” e “Darkside of Aquarius” foram porradas na cara, divinas e imprescindíveis para sacramentar esta noite para sempre na memória dos presentes. Todavia, é impossível colocar em palavras as sensações que a execução de “The Alchemist” expeliu do nosso mais profundo âmago. Ponto alto não apenas do repertório, mas da nossa existência como um todo.
Um hiato considerável teve fim nesta data, com Bruce Dickinson, do alto de seus 65 anos, ainda majestoso na presença de palco e na performance vocal. A banda boa – e nada mais – foi apenas um pano de fundo. O todo funciona, e é o que importa. Com isto, nos foi proporcionada uma memorável experiência espiritual.
Repertório
Accident of Birth
Abduction
Laughing in the Hiding Bush
Afterglow of Ragnarok
Chemical Wedding
Many Doors to Hell
Tears of the Dragon
Resurrection Men
Rain on the Graves
Frankenstein [The Edgar Winter Group]
Gods of War
The Alchemist
Darkside of Aquarius
Navigate the Seas of the Sun
Book of Thel
The Tower
Galeria de fotos











Um comentário em “[Cobertura] Bruce Dickinson: O alquimista do Metal abriu as portas do inferno”