A época em que Chuck Schuldiner deixou o Death temporariamente

por Clovis Roman

O guitarrista e vocalista Chuck Schuldiner é uma das mais importantes figuras do Death Metal mundial. Começando o grupo como Mantas, depois mudando para o nome com o qual conquistou prestígio mundialmente, Death, o músico havia lançado dois discos agressivos e extremos, porém ele queria algo a mais, tanto musicalmente quanto liricamente. Deixando de lado temáticas satânicas e violentas, cujas mensagens eram vazias, Chuck começou a abordar temas mais sérios com um lirismo raramente visto no estilo.

A parte musical, por sua vez, foi refinada com mais elementos técnicos, porém, sem macular o peso e a velocidade. Era uma evolução. O caminho para chegar ao terceiro álbum foi tortuoso para o jovem headbanger, mas o resultado foi excelente, olhando em retrospecto. Entretanto, a chegada de Spiritual Healing às lojas de discos causou muita controvérsia, assim como ocorrera com o Metallica tempos antes. Findada a gravação do trabalho, o guitarrista James Murphy deixou o grupo. No livro Death By Metal – A História de Chuck Schuldiner, lançado no Brasil pela Editora Estética Torta, esta história é contada pelos personagens envolvidos e pelo autor, Rino Gissi: “O distanciamento entre os dois se tornou gradualmente insuperável. De acordo com uma declaração feita por Greif [Eric Greif, empresário, que inclusive gravou teclados na faixa-título], alguns problemas existiam já durante as gravações de Spiritual Healing: ‘Ficamos em um hotel em Tampa por cerca de dois meses para terminar o álbum, foi quando começamos a perceber que James não encaixava bem no lado pessoal. Ele tinha algumas estranhezas e peculiaridades que muitas vezes deixavam eu e o Chuck sem entender nada‘”.

Não está muito claro quais foram as questões que custaram o lugar de Murphy, e até a sua futura reconstrução dos fatos é um pouco vaga: “Nenhum de nós era maduro no que diz respeito às relações pessoais. Não teve nada de impressionante ou horrível na minha saída do Death. Liguei para o Scott Burns e perguntei se ele sabia de alguma banda que estava procurando um guitarrista. Ele disse: ‘Estou com o Obituary aqui no estúdio e eles estão precisando de um guitarrista solo’. No dia seguinte eu estava lá gravando as minhas partes para o Cause Of Death”.

O Death contratou o excepcional Paul Masvidal [que entraria na banda anos depois e gravaria o disco Human, 1991] para shows na Flórida. Uma turnê europeia estava planejada na sequência, mas foi cancelada. Chuck explicou: “A gente queria ter certeza de que teríamos todas as condições adequadas para fazer uma turnê à altura, mas não conseguimos convencer nossa gravadora da Europa. Tínhamos pedido um ônibus de turnê à parte e uma diária semanal para não morrermos de fome. Infelizmente a Music For Nations não achou que aquilo valeria a pena. Depois disso, pediram que a gente remarcasse as datas, mas primeiro precisávamos encontrar um novo guitarrista“. 

Neste meio tempo, o grupo embarcou em uma turnê pelos Estados Unidos, ao lado do Carcass e do Pestilence. Para a segunda guitarra, foi contratado Albert Gonzales (ex-Evil Dead). Entretanto, o músico pouco durou, e o grupo fez as últimas datas como um trio, em meio a situações complicadas, como em um show onde foram alvos de objetos e líquidos por parte da plateia. 

Em outubro de 1990, o Death faria uma extensa turnê com o Kreator, mas Schuldiner teve um colapso nervoso. O peso de uma carreira conturbada e que não o satisfazia por completo, o sufocava e o fez cair em um tipo de estado depressivo. Poucos dias antes de viajarem, Chuck sumiu do mapa e depois disse aos companheiros de banda que não estava se sentindo disposto: ele queria cancelar a participação do Death na turnê. Cansados do seu modo de agir ultra exigente e irracional, o baixista Terry Butler e o baterista Bill Andrews assumiram a responsabilidade e voaram para a Europa sem o líder. Para fazer as datas, chamaram Walter Trachsler (guitarrista do Rotting Corpse) e Louie Carrisalez (baterista do Devastation) para assumir os vocais.

Um vídeo do Death sem Chuck Schuldiner ao vivo (a partir de 7:45) pode ser conferido abaixo:

Outro registro mostra como a coisa foi bem ruim, para ser gentil:

A situação, claro, espantou os fãs e depôs contra a imagem do grupo que Schuldiner havia batalhado muito para construir. Na época com 23 anos, a mente criativa do Death esforçava-se muito para se adaptar ao mundo cínico da indústria musical: sua personalidade, amigável e companheira por um lado, autoritária e irritada por outro, não tornava as coisas fáceis, somando-se a este fator a imaturidade de todos os integrantes. 

Décadas mais tarde, em 2011, o baixista da época, Terry Butler (Six Feet Under, Obituary), relembrou o episódio, em depoimento que consta no livro Death By Metal: “Tínhamos que ir à Europa para tocar com o Kreator. Teríamos nosso próprio ônibus de turnê e a nossa própria equipe; tudo o que tínhamos que fazer era tocar. Poucos dias depois, o Chuck desapareceu. Ele tinha terminado com a namorada e ainda estava mal; ele também estava ficando cansado do death metal em geral. Resumindo, ele não queria viajar mas já tínhamos assinado contratos e dado entrevistas. A gente se encontrou na casa dele, a mãe dele cuidava da parte legal da banda. Todos os documentos chegaram prontos e assinamos tudo. O que mais deveríamos ter feito? Éramos moleques e achávamos que todos tinham a mesma influência no grupo. Três semanas depois do início dos shows, que foram um sucesso, o Chuck ligou para a agência de booking para dizer que queria fazer parte da turnê. Disseram que era impossível porque a equipe do Kreator largaria tudo se ele aparecesse por lá. O pessoal ficou furioso por ele quase ter cancelado a turnê no último minuto”.

O músico complementa: “Nunca mais falamos com o Chuck depois que voltamos da Europa. Estava implícito que não faríamos mais parte do Death. Eu gostaria que ele tivesse falado com a gente e nos dito como ele realmente se sentia. Eu, ele e o Bill éramos muito unidos. Era fácil se dar bem com Chuck, mas ele também se irritava fácil quando você discordava dele. Ele vivia pela música e pela banda; se interferisse nos planos dele, ele não deixaria você se safar. Ele era o tipo de pessoa que, se quisesse virar a página, simplesmente dava as costas e seguia em frente”.

O empresário, Greif, adicionou sobre a obstinação de Chuck: “Ele estava sempre se dedicando para levar o grupo mais além. A grande evolução do Leprosy para o Spiritual Healing só ficou atrás da evolução do próprio Spiritual Healing para o Human. O que me espanta é ele ter alcançado uma evolução musical incrivelmente complexa em um momento da sua vida em que estava tão frágil e vulnerável“.

Apesar do ótimo disco, foi um momento turbulento para o Death. O ano de 1990 terminou com uma mudança profunda em sua estrutura. Após Greif e Chuck fazerem uma reunião, uma decisão foi tomada, como conta o autor: “Butler e Andrews, legalmente representados pela mãe do baterista, foram expulsos da banda. Chuck Schuldiner e o Death se tornaram uma coisa só”. Mais tarde, no começo do ano seguinte, Schuldiner comentou em entrevista para a revista Rock Hard “Não tenho nenhum problema com drogas; tive alguns problemas com algumas pessoas da indústria, alguns problemas pessoais e cheguei a pensar que tudo estava condenado a dar errado. Houveram muitos inconvenientes desagradáveis, mesmo em torno do uso do nome Death, que eu criei em 1984 e tenho todo o direito de usar. Enquanto compor músicas, continuarei fazendo isso com esse nome“.

Na mesma entrevista, o líder do Death falou mais sobre os problemas que enfrentou naquela época: “Eu me sentia sufocado por todas as atividades pelas quais eu era responsável, por todas as merdas que continuei aguentando em nome da banda e muitas pressões. Não é difícil ser consumido pelas inúmeras questões que giram em torno dos negócios desse meio. Tive que me afastar de muitas coisas e pela primeira vez, lidar com o julgamento alheio. Há anos tenho sido um suposto cuzão psicótico com quem ninguém suporta trabalhar e isso é totalmente oposto à realidade. Muitas coisas não estavam indo bem na minha vida, acumuladas ao longo dos anos. Sou um ser humano como qualquer outro“.

Sendo o humano que era, em 1991 Chuck lançou um novo disco com o Death, curiosamente intitulado Human, que representava mais um passo gigantesco rumo ao death metal técnico e liricamente profundo, com a genialidade que permaneceu com ele até o fim de sua vida, em 2001.

Traçando os eventos mais importantes da vida e carreira de Chuck, aliada a análises das letras, o livro Death by Metal é essencial para conhecer a obra e o legado de Chuck Schuldiner. O livro foi lançado inicialmente pela Estética Torta em maio de 2020, esgotando suas cópias em poucos meses. Uma nova edição, com capa dura e nova arte de capa (com ilustração de capa desenhada pelo artista colombiano Alejandro Ariza Rosales), revisada e ampliada com um apêndice escrito pelo jornalista Clovis Roman (sim, eu mesmo), está disponível para venda no site: https://www.esteticatorta.com/produtos/livro-death-by-metal-a-historia-de-chuck-schuldiner-nova-edicao/

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