[Cobertura] Left to Die: banda honra a memória de Chuck Schuldiner e dá uma aula de death metal raiz em Curitiba

Left to Die
9 de janeiro de 2025
Jokers
Curitiba/PR

Por Luís S. Bocatios
Fotos de Clovis Roman

O Death foi uma banda norte-americana fundada em 1983 que lançou apenas sete discos e entrou para a história como uma das mais importantes no desenvolvimento do death metal. O único a participar de todos os discos da banda, que nunca conseguiu manter a mesma formação por mais de um álbum, foi o guitarrista, compositor, letrista e vocalista Chuck Schuldiner. Morto em 2001, vítima de um câncer cerebral, Chuck é uma das figuras mais revolucionárias e talentosas da história do metal.

Seu legado é tamanho que, atualmente, existem duas bandas formadas por ex-integrantes do Death em atividade: a Death to All é formada pelo baterista Gene Hoglan, pelo baixista Steve Di Giorgio e pelos guitarristas Bobby Koelble e Max Phelps (este, também vocalista) e abrange toda a carreira da banda; a Left to Die conta com o baterista Gus Rios, o baixista Terry Butler e os guitarristas Rick Rozz e Matt Harvey (também vocalista) e foca no repertório dos dois primeiros discos da banda, os clássicos e Scream Bloody Gore, de 1987, e Leprosy, de 1988.

Os fãs brasileiros de Death, que nunca tiveram a oportunidade de ver a banda ao vivo, já receberam a visita do Death to All em 2014 e 2024. Logo no começo de 2025, chegou a vez do Left to Die vir ao Brasil pela primeira vez para sete apresentações.

O aniversariante Rick Rozz (foto: Clovis Roman).

Quem esteve no Jokers na noite de quinta-feira, 9 de janeiro, presenciou uma verdadeira aula de death metal. Mesmo com alguns problemas técnicos, a ferocidade da performance da banda só não é maior do que a força das canções eternizadas na voz de Schuldiner. O repertório é um paraíso de riffs, peso e velocidade: Leprosy na íntegra e mais da metade de Scream Bloody Gore.

Às 20h45 em ponto, as cortinas do palco se abriram e a banda emendou a trinca inicial de Leprosy: a faixa-título, “Born Dead” e “Forgotten Past”. De início, percebia-se que o som das guitarras estava baixíssimo; praticamente só se ouvia bateria e vocais, algo que se repetiu em “Born Dead”. Por mais que a guitarra de Harvey também estivesse soterrada na mixagem, o principal problema era com Rick Rozz, que chegou a abandonar solos no meio e bufar de insatisfação.

O público aplaudia e vibrava, mas, durante uma pequena pausa antes de “Forgotten Past”, na qual o vocalista saudou a plateia pela primeira vez, ouviam-se apelos para que o problema fosse resolvido: “pelo amor de Deus, alguém aumenta a guitarra!”, “eu pago uma cerveja pra quem aumentar a guitarra!”, entre outros.

Não sei se a cerveja foi paga (peço desculpas pela falha na apuração jornalística da história), mas o fato é que, a partir daí, as coisas melhoraram. Durante a excelente “Forgotten Past”, o problema continuou, mas, pela bateria no refrão ser um pouco mais “calma”, já foi mais fácil ouvir o som das guitarras.

A lenda Terry Butler (foto: Clovis Roman).

A coisa andou de vez com “Infernal Death” e “Sacrificial”, primeiras representantes de Scream Bloody Gore no setlist. Nos primeiros acordes de “Infernal Death”, já se ouvia as guitarras com muito mais nitidez. Ao final da música, Harvey fez um sinal de positivo para a plateia e disse “now we’re talking!” (em tradução livre: “agora vai!”). Em “Sacrificial”, a plateia atendeu ao pedido de Terry Butler e abriu uma bela roda mosh que praticamente não se fechou mais até o fim do show. As guitarras continuaram sem dar problemas.

Mas os deuses do rock pareciam dispostos a sabotar as músicas de Leprosy e a estragar o aniversário de Rick Rozz, que completou 58 anos no dia do show. Após ouvir um “happy birthday to you” de toda a plateia, o guitarrista voltou a enfrentar problemas ao tocar “Open Casket” e “Primitive Ways”, única composição do Death que assina sozinho.

Pra falar a verdade, a essa altura do show o público estava tão envolvido pela energia da banda e pelas músicas que a nitidez com a qual se ouvia o solo de guitarra era um mero detalhe. Para Rozz, no entanto, a frustração foi tanta que, assim que a canção terminou, ele desceu do palco correndo e voltou com novas baterias para sua pedaleira. Dali até o final do show, tudo correu bem.

O momento para resolver o problema na guitarra de Rozz não poderia ser mais apropriado, pois, logo na sequência, a banda tocou a fantástica “Choke on It”, que tem uma parte com guitarras brilhantemente harmonizadas que perderia totalmente o brilho caso os instrumentos não estivessem soando bem. Felizmente, não foi o caso.

Em seguida, os petardos “Torn to Pieces” e “Regurgitated Guts” voltaram às atenções ao álbum de estreia da banda, que tomaria o protagonismo na parte final do show. Vale citar que Matt Harvey cumpre muito bem o papel de substituir Chuck Schuldiner, a quem homenageia ao longo do show ao dizer que “ele sempre estará conosco”. A plateia retribui com gritos emocionados de “Chuck! Chuck! Chuck”.

Por mais que o timbre da guitarra de Harvey estivesse um pouco abafado demais (não por uma falha técnica, mas por uma escolha do guitarrista), ele executa os complexos riffs perfeitamente. Terry Butler, por sua vez, é sempre preciso, mas merecia um destaque muito maior da mixagem de som, ainda mais ao tocar discos que tem um baixo tão marcante. Gus Rios também faz um excelente trabalho ao tocar as fantásticas linhas do baterista Bill Andrews, mesmo que em alguns momentos sua postura corporal desse a impressão de que estava segurando um pouco a onda, talvez para tentar evitar que as guitarras ficassem ainda mais soterradas.

O guitarrista e vocalista Matt Harvey (foto: Clovis Roman).

A seguir, a banda tocou a ótima “Left to Die”, que não poderia faltar em um show da Left to Die, mas foi na música seguinte que houve a maior catarse do público: o riff inicial de “Zombie Ritual” foi gritado pela plateia, assim como o incrível refrão. O mosh também foi o maior da noite.

É interessante reparar como as músicas do Scream Bloody Gore foram mais bem recebidas ao vivo do que as de Leprosy. Mesmo alguém que acha Leprosy melhor do que Scream Bloody Gore precisa reconhecer que a comoção do público foi consideravelmente maior nas faixas do disco de estreia.

A banda completa Leprosy com “Pull the Plug” e guarda outro grande momento para o final: “Evil Dead”, penúltima música do primeiro álbum da banda. Com um riff inicial interessantíssimo que soa um tanto “atrasado” em relação aos outros instrumentos, a faixa é feroz como poucas outras no catálogo do Death, fecha o show com chave de ouro e manda o público pra casa com a certeza de que o legado de Chuck Schuldiner está sendo levado adiante com tremenda dignidade.

Repertório
Leprosy
Born Dead
Forgotten Past
Infernal Death
Sacrificial
Open Casket
Primitive Ways
Choke on It
Torn to Pieces
Regurgitated Guts
Left to Die
Zombie Ritual
Pull the Plug
Evil Dead

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