Sophie’s Threat: baterista Tiago Carteano explica a origem do nome da banda, fala sobre tecnologia e caos nas letras e projeta novos passos da banda no metal extremo

Formada com a proposta de refletir os dilemas contemporâneos em uma linguagem pesada e intensa, a Sophie’s Threat é considerada como um dos nomes mais promissores do metal nacional. Em entrevista ao Acesso Music, o baterista e fundador Tiago Carteano compartilha a origem do nome inspirado na robô Sophia, revela a influência de temas como tecnologia, decadência e saúde mental na identidade lírica da banda e fala sobre os próximos passos da atual formação.

O nome da banda foi inspirado na robô Sophia. Como surgiu essa ideia e o que ela representa para a identidade sonora e lírica da Sophie’s Threat?

Escolher um nome de banda é quase como definir um manifesto. Buscávamos algo que carregasse peso, que fosse direto, memorável, mas que também traduzisse uma inquietação — algo que conversasse com o presente e com os tempos sombrios que a gente vive. Mas não é fácil. Toda ideia parecia já ter sido tomada ou soava rasa demais pro que queríamos dizer.

Até que, em meio a essa busca, me deparei com aquele vídeo da robô Sophia, onde ela, em tom de piada, porém mostrando uma verdade desconcertante, declara: “Vou destruir os humanos”. Naquele instante, algo acendeu. Ali estava um reflexo perfeito da nossa própria criação — uma inteligência feita à nossa imagem, carregando nossos medos, nossas contradições e talvez até nosso próprio fim. Sophie’s Threat — “A Ameaça de Sophia” — não é só uma provocação. É um espelho do que nos tornamos enquanto sociedade.

O nome da banda não define exatamente nossa sonoridade, mas alinha totalmente com o que expressamos nas letras. Falamos sobre a relação cada vez mais tóxica e dependente que temos com a tecnologia, sobre como ela molda, controla, distrai e, muitas vezes, desumaniza. É sobre estar cercado de evolução, mas, ao mesmo tempo, flertando com a própria extinção. Sophie é só um símbolo — um deles — de que talvez sejamos a maior ameaça a nós mesmos.

Como vocês escolhem os temas que serão abordados nas letras, e por que consideram eles como importantes para serem tratados no heavy metal?

O heavy metal, pra nós, sempre foi mais do que um gênero musical — é uma linguagem de ruptura. Ele carrega nas guitarras distorcidas e nos vocais intensos aquilo que, em muitos outros estilos, seria impossível traduzir. Dor, raiva, inquietação, resistência… o metal é uma forma de gritar quando o silêncio já não basta.

As letras nascem desse impulso. A gente escolhe os temas a partir do que nos consome por dentro — questões que nos inquietam, que merecem ser ditas em alto volume. Procuramos olhar para o mundo ao nosso redor e trazer reflexões que tenham ressonância com o que estamos vivendo agora: a era da hiperconectividade, da ansiedade crônica, da dúvida existencial. Falamos de solidão, de saúde mental, de experimentos éticos e não éticos, do controle invisível que muitas vezes nos manipula… e, questões sobre o ego humano, de se achar único nesse vasto universo.

Não nos limitamos à tecnologia apenas, mas ela é uma lente poderosa pra enxergar a decadência e a contradição da modernidade. Em um mundo que gira rápido demais e escuta cada vez menos, o metal é a nossa maneira de interromper o ruído — e fazer as perguntas certas e que incomodam.

O single “Infernal Manipulation” foi relançado com a nova formação como “Infernal Re-Manipulation (A New View)”. O que motivou essa reinterpretação e o que ela representa para esse novo momento da banda?

“Infernal Manipulation” carrega um peso simbólico enorme pra nós. Foi o nosso primeiro grito — a música que começou a desenhar a identidade sonora e conceitual da Sophie’s Threat. Mas, como toda jornada, a nossa foi cheia de desafios, mudanças e reinvenções. A nova formação não é apenas uma troca de integrantes — ela representa uma reconstrução, uma nova leitura de quem somos hoje, sem apagar as cicatrizes e as marcas que nos trouxeram até aqui.

Relançar essa música foi uma escolha muito consciente. Queríamos construir um novo começo, mas sem abandonar as raízes. É como pegar o DNA do que nos formou e reinterpretá-lo com o olhar e a força que temos hoje. Mais do que uma simples regravação, Infernal Re-Manipulation (A New View) é uma declaração. Uma ponte entre quem fomos e quem somos agora. Uma forma de honrar o passado, mas também de deixar claro que seguimos em frente — mais fortes, mais conscientes e mais alinhados com a essência que sempre nos moveu.

O EP Phase One marca o fim de um ciclo. Como vocês definem essa fase inicial da banda e o que ela ensinou em termos criativos e pessoais?

Exatamente. Phase One é o encerramento de um ciclo — e, ao mesmo tempo, uma forma de eternizar esse capítulo da nossa história. Existia algo ali que precisava ser concluído, tanto no campo pessoal quanto no criativo. Foi um período de descobertas, de erros, de acertos e, principalmente, de entender quem realmente somos enquanto banda e enquanto indivíduos que constroem algo maior do que eles mesmos.

No âmbito pessoal, esse ciclo nos ensinou muito sobre escolhas, resiliência e os limites — ou a ausência deles — de quem se propõe a criar arte em um mundo caótico. No campo criativo, foi essencial pra entendermos o que queríamos carregar adiante e o que precisávamos deixar pra trás.

Hoje, a banda está muito mais alinhada com aquilo que idealizamos no início. De certa forma, Phase One não é só um EP — é um registro. Um documento sonoro de quem fomos, das cicatrizes que carregamos e da fundação sobre a qual construímos a nova fase. É um ponto final que, na verdade, abre caminho para o próximo capítulo — mais maduro, mais pesado e muito mais consciente.

A entrada da vocalista Felícia Andrade trouxe novos elementos à sonoridade da banda. Como foi o processo de adaptação e quais elementos ela agregou ao som da Sophie’s Threat?

A chegada da Felícia não foi uma mudança — foi o alinhamento que buscávamos desde o primeiro dia em que essa banda começou a tomar forma. Ela não simplesmente trouxe novos elementos; ela trouxe exatamente os elementos que sempre imaginamos, mas que até então não tínhamos encontrado.

Felícia é extremamente versátil. Consegue transitar com naturalidade entre vocais guturais intensos e vocais limpos carregados de emoção, criando uma dinâmica que soa brutal e moderna, mas, ao mesmo tempo, carrega aquela essência old school que sempre quisemos preservar na nossa sonoridade.

O processo de adaptação foi, na verdade, uma conexão imediata. Ela foi escolhida a dedo, entre muitas candidatas, justamente por entender e, mais do que isso, sentir exatamente qual era a proposta da Sophie’s Threat. A partir dali, tudo se encaixou com uma precisão quase cirúrgica — como se essa formação sempre tivesse existido, apenas esperando o momento certo pra se concretizar.

A capa de “Speaking Of The Devil” inspirou a maquiagem usada no videoclipe. Qual é o papel da estética visual na comunicação da banda com o público em termos da mensagem que vocês querem passar nas músicas?

A estética visual, pra nós, não é um acessório — é uma extensão da música. Ela carrega peso, significado e intenção. Desde as capas, passando pelos clipes, pela cenografia e até pelo nosso merch, tudo é pensado pra traduzir visualmente aquilo que estamos dizendo sonoramente.

Acreditamos que a imagem tem um papel quase tão poderoso quanto o som. Uma boa arte, uma capa, uma estética bem construída… tudo isso precisa gerar impacto imediato. Seja pra ilustrar diretamente a mensagem da música, seja pra provocar questionamentos, desconforto ou até curiosidade. O importante é que ela nunca seja vazia. Ela tem que conversar com quem olha — tem que incomodar, cutucar, gerar reflexão.

A maquiagem no videoclipe de “Speaking Of The Devil” é exatamente isso. Ela nasceu da estética da própria capa, que por sua vez já carrega todos os símbolos e códigos do que a música representa. É tudo parte de um mesmo organismo — uma mesma linguagem. Música e imagem andando lado a lado pra amplificar a mesma mensagem.

A banda passou por algumas mudanças de formação desde sua criação. Como esses desafios influenciaram a construção da identidade do grupo?

Quando fundamos a banda, tanto eu quanto o Ricardo já carregávamos uma boa bagagem na música. Mas começar algo do zero… é outro jogo. É muito mais do que tocar — é dar forma a uma ideia, a um conceito, a uma identidade que, até então, só existia na nossa cabeça. Escolher um nome, definir uma proposta sonora, uma direção estética e lírica… tudo isso exige clareza, mas também exige flexibilidade. Desde o início, tivemos o cuidado de planejar cada etapa, mas sem engessar o processo, permitindo que a própria banda respirasse, evoluísse e encontrasse seu próprio caminho.

Claro que, nessa caminhada, vieram os desafios naturais. Nem sempre todo mundo está alinhado na mesma frequência, nos mesmos objetivos ou na mesma visão de futuro. E isso faz parte. Criação é conflito, é desconforto, é fricção. E aprendemos muito com isso. Aprendemos a reconhecer os erros, a entender o que fazia sentido permanecer e o que precisava ser deixado pra trás.

O que temos hoje é fruto dessa jornada. A banda está muito mais madura, centrada e consciente dos próprios objetivos. Colocamos a música, a verdade e a mensagem acima de qualquer ego. Nosso relacionamento é honesto, baseado em amizade, cumplicidade e respeito. Discutimos, divergimos, mas sempre com um propósito claro: fazer o que é melhor para a música, para a banda e para a mensagem que queremos entregar. A identidade da Sophie’s Threat foi forjada exatamente nesses atritos — e é isso que faz ela ser real.

Como vocês avaliam a recepção da crítica e do público sobre Enemy Within, primeiro álbum completo da banda?

A recepção de Enemy Within superou todas as nossas expectativas. A cada mensagem que chegava, a cada compartilhamento, a cada feedback que surgia, ficava cada vez mais claro que aquilo que criamos estava, de fato, encontrado as pessoas — e essa, no fim das contas, é a maior recompensa que qualquer artista pode ter.

Ver nossa música rodando, tocar em uma rádio como a 89FM, e perceber que mesmo sendo uma banda underground, ainda no nosso primeiro ciclo, conseguimos gerar um impacto real… isso é combustível puro pra continuar. Curiosamente, os números nas plataformas começaram de forma tímida na primeira semana. E então, do nada, explodiram. Foram semanas seguidas com centenas de plays diários, chegando a lugares que nem imaginávamos, EUA, Alemanha, Suécia, Argentina, tocávamos no mundo inteiro, era incrível ver aquilo e ainda é.

Pra uma banda que está no início da sua caminhada, isso tem um peso enorme. Não estamos falando só de números, mas de validação — de saber que aquilo que você colocou no mundo, com verdade e suor, encontrou quem estava disposto a ouvir, sentir e refletir. Até hoje recebemos mensagens, comentários, pessoas que chegam pra falar do quanto o álbum significou pra elas. E é isso que nos move. É isso que mantém acesa a chama de continuar, de criar e de entregar algo que vá além do som — que seja mensagem, que seja reflexão, que seja catarse.

Há planos para levar o som de vocês para outras regiões do Brasil ou até para o exterior? Como estão as expectativas para futuras turnês?

Sem dúvida. Estar no palco é, pra nós, o ponto máximo de toda essa jornada. É onde tudo se materializa — onde a música deixa de ser só som e se torna conexão real, energia, suor, emoção. Levar nosso som pra outras regiões do Brasil e, quem sabe, pra fora do país, não é só um desejo. É uma meta.

Claro, isso exige muito planejamento, logística e parceria. Quanto maior a distância, maior o desafio. Mas estamos absolutamente abertos. Produtores, casas de show, festivais… quem quiser levar a Sophie’s Threat, nossa música, nossa mensagem, pode ter certeza que estaremos prontos.

O palco é o nosso campo de batalha, é onde mostramos quem somos de verdade. Estar perto de quem acredita no nosso som, olhar no olho de quem carrega essa energia com a gente… isso não tem preço. É, sem dúvida, a melhor parte de tudo que fazemos. E podem ter certeza: se depender de nós, ainda vamos fazer muito barulho em muitos lugares.

Em um cenário cada vez mais dominado por algoritmos e superficialidade nas redes sociais, que papel vocês acreditam que uma banda como a Sophie’s Threat pode cumprir no metal brasileiro atual?

A Sophie’s Threat é, sem dúvida, algo maior do que nós mesmos. Carregamos nas costas não só o peso de fazer música extrema em um país que historicamente ignora e marginaliza o heavy metal, mas também a responsabilidade de manter vivo um discurso que se recusa a ser moldado, domesticado ou diluído pra caber nos filtros da aceitação social ou dos algoritmos.

Vivemos em um mundo que grita por distração — onde tudo é rápido, descartável, superficial. Mas enquanto houver gente disposta a escutar, nós estaremos aqui pra oferecer exatamente o oposto disso. Somos uma das poucas bandas de death metal melódico no país, e isso não é só uma escolha estética — é uma posição. A de fazer música honesta, sem amarras, sem vender a alma pra tendências, pra fórmulas prontas ou pra validação barata.

Acreditamos que o metal, mais do que nunca, é necessário. Num mundo à beira do colapso — com guerras acendendo em todos os continentes, com discursos de ódio sendo normalizados, com pessoas vivendo no modo automático, anestesiadas, enquanto a história se repete —, o metal é resistência. E não estamos aqui pra ser pano de fundo de playlist, nem trilha sonora de superficialidade. Estamos aqui pra provocar desconforto, reflexão, questionamento e, quem sabe, abrir alguns olhos.

Dizem que o rock está morrendo. A gente enxerga diferente: ele nunca foi tão necessário. Talvez esteja morrendo pra quem espera dele algo raso, palatável e confortável. Mas pra quem entende que essa música é sobre questionar, resistir, incomodar e transformar, ela nunca esteve tão viva.

Nosso papel é esse: fazer arte que carregue verdade. Defender um mundo onde as pessoas possam ser quem são, livres de preconceitos, opressões e rótulos. Onde a tecnologia continue avançando, sim, mas que a ética, o bom senso e a humanidade caminhem junto. E se pra isso for preciso fazer barulho — então que seja ensurdecedor, quem quiser que tampe os ouvidos.

Foto: Michel Villares

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