Testament + Royal Rage
17 de agosto de 2025
Tork n’ Roll
Curitiba/PR
Por Luís S. Bocatios
Fotos de Clovis Roman
Após dez anos longe dos palcos curitibanos, o Testament retornou à capital paranaense na noite deste domingo (17). Como se o tempo longe da cidade não fosse o suficiente para tornar a ocasião especial para os fãs da banda, o repertório que foi apresentado estava quase completamente repaginado: das dezessete músicas, apenas sete haviam sido tocadas em 2015.
Na ocasião, a banda veio ao lado do Cannibal Corpse e contava com Chuck Billy nos vocais, Eric Peterson e Alex Skolcnick nas guitarras, Steve DiGiorgio no baixo e Gene Hoglan na bateria — nada mais, nada menos do que a cozinha que gravou o clássico Individual Thought Patterns, do Death . Dessa vez, o baterista é o excelente Chris Dovas, que surgiu para o mundo do metal como baterista da banda Seven Spires. Mesmo que ele não seja Gene Hoglan, é um músico exímio que cumpre com perfeição o papel ao qual foi designado.

No tempo em que não se apresentou em Curitiba, o Testament lançou dois discos de inéditas: Brotherhood of the Snake, de 2016, e Titans of Creation, de 2020. A única representante dessa fase mais recente foi a excelente “The Pale King”, evidenciando que o foco do repertório seria nos clássicos: apenas quatro músicas performadas são dos anos 2000 (e todas muito boas); de resto, foi um desfile de sucessos e músicas adoradas pelos fãs.
Com a abertura da ótima Royal Rage, um sistema de som impecável e um público animadíssimo que parecia estar morrendo de saudades, não havia muitas possibilidades do evento dar errado. Pelo contrário: foi uma noite inesquecível para os fãs que presenciaram a volta do Testament à Curitiba.
Royal Rage
Pontualmente às 19h30, a banda curitibana Royal Rage subiu ao palco para dar início aos trabalhos. Uma excelente escolha, visto que é um dos grupos mais competentes da cena de thrash metal da capital paranaense.
Com pouquíssimo tempo à disposição, o quarteto tocou apenas cinco músicas, que percorreram meia hora. Foi o suficiente para aquecer o público, pois os riffs rápidos e agressivos da banda encaixam perfeitamente com a sonoridade do Testament e agradaram o público que esperava pelos americanos.
É fato que o Royal Rage não busca grandes inovações, pois todas as músicas podem ser comparadas com a sonoridade de outras bandas — “Evolve”, que abriu o show, é um thrash bem direto em que o vocalista soa extremamente similar a Tom Araya, do Slayer, e a excelente “Lampião” remete instantaneamente a “Phantom Self”, do Sepultura —, mas, a essa altura do campeonato, ninguém espera que aconteça uma grande revolução dentro do trash metal. Nesse universo, a competência do trabalho da banda pouco pode ser contestada.
Como a imensa maioria das bandas de thrash, o grupo se apresenta em formato de quarteto: Pedro Ferreira assume os vocais e divide as guitarras com Sol Perez, enquanto a cozinha é formada pelo baterista Tiago Rodrigues e, nessa ocasião, pelo baixista Victor Müller, do Toxic Machine, que não é um membro fixo do Royal Rage.
Todos são competentes, mas o destaque fica com Rodrigues, que performa os pedais duplos com uma precisão incrível e enche a banda com uma energia fantástica e fundamental para que a banda tenha aberto os caminhos para o Testament de forma tão competente.
Repertório
Evolve
Into the Abyss
Feed the Herd
Lampião
Real Dolls
Testament

Pouco antes das 20h30, o sistema de som do Tork n’ Roll começou a tocar a clássica “Fight for Your Right”, do Beastie Boys. A canção precedeu a entrada do Testament, que sobe ao palco e emenda três músicas do clássico Practice What You Preach, de 1989. A primeira é a faixa-título, um petardo incrível que funciona perfeitamente como abertura do show não apenas por sua qualidade e velocidade, mas também pelo fato de pegar o público pelo pescoço com um dos maiores clássicos da banda, já botando todo mundo pra cantar, pular e bater palmas.
A segunda música foi a empolgante “Sins of Omission”, na qual Chuck Billy começou a pular na introdução, chamando o público a fazer o mesmo. A voz do vocalista continua ótima, e essa música é uma das que mais exibe a influência gigantesca que James Hetfield exerceu em sua identidade vocal. Após a música, Billy se dirigiu pela primeira vez ao público, pediu desculpas pelos dez anos que a banda demorou para voltar a Curitiba e contou que dessa vez eles tocariam algumas músicas que nunca haviam sido apresentadas na cidade, anunciando “Perilous Nation”.
O público engajou nas palmas junto com o baixo da introdução, mas, no resto da música, o clima deu uma tranquilizada após a catarse que foram as duas primeiras músicas. Em seguida, “The Pale King” tem início com um pedal duplo matador de Chris Dovas, que domina a música com uma performance avassaladora.

A clássica “The Haunting”, uma das três representantes o, disco de estreia da banda, The Legacy, foi outra que levou à plateia ao delírio. Nela e na música seguinte, “Rise Up”, o baixo de Steve DiGiorgio soa como uma trovoada, elevando o poder da banda ao vivo a outro nível. O destaque também vale para Dovas, cujo pedal duplo no final de “Rise Up” é impressionante. Ao final dessa dupla de músicas, o público entoou o nome da banda em forma de coro, aclamando totalmente o quinteto.
Em seguida, vieram duas das maiores porradarias da carreira do Testament: o peso de “D.N.R. (Do Not Resuscitate)” é genuinamente impressionante e traz um Chris Dovas possuído, cumprindo com perfeição a quase impossível tarefa de fazer jus à gravação original da música, que contou com ninguém mais, ninguém menos que Dave Lombardo na bateria. “Low”, por sua vez, traz riffs majestosamente pesados e uma performance vocal brutal de Chuck Billy.
O vocalista dedicou “Native Blood” aos povos indígenas e a todos que sentem que suas vozes não são ouvidas. Mesmo que a música seja de um disco mais recente — Dark Roots of Earth, de 2012 —, o público cantarolou um riff logo antes do solo, mostrando que a maior parte da plateia era composta por verdadeiros fãs da banda. A música é muito boa e outra das mais pesadas do repertório, contando até com um blast-beat originalmente performado por Gene Hoglan.

A primeira balada da noite foi a belíssima “Trail of Tears”, que traz um dos trabalhos de guitarra mais criativos da carreira da banda, com timbres muito bem pensados e ousados desde a introdução. A harmonização dos vocais lembra o trabalho do Alice in Chains, uma das maiores bandas do mundo em 1994, ano de lançamento da música. Os solos de guitarra são brilhantes e contam com momentos harmonizados fantásticos.
Chuck Billy disse que sabe que a música é um pouco diferente do que as pessoas esperam em um show de metal, mas que a banda ama essa canção. Ele apresentou Alex Skolnick, que foi exaltado pelo público e disse que jamais esqueceria da primeira vez que o grupo veio ao Brasil, em 1989, e teve como banda de abertura uma tal “banda local” chamada Sepultura. O guitarrista ainda elogiou várias bandas brasileiras, como a Crypta, e destacou que, em outubro, o Testament fará uma turnê ao lado de Obituary, Destruction e a brasileira Nervosa.
Em seguida, veio um dos momentos mais divertidos do show: “Electric Crown” e “Souls of Black” são diretas e divertidíssimas, apresentando refrões fáceis e grandiosos, que foram cantados a plenos pulmões pelo público. Entre as duas, foi a vez da apresentação do lendário Steve DiGiorgio, que se aproximou do microfone e mandou um “tudo bem, ok, filha da puta? Vamos pro caralho?”, tirando risadas do público antes de tocar um pedaço de “Symbolic”, um dos maiores clássicos do Death.

A segunda e última balada da noite foi “Return to Serenity”, que foi apresentada pelo vocalista como “outra música especial para nós”, e, mesmo sendo um dos maiores sucessos da banda, voltou ao repertório no ano passado após mais de 20 anos fora. O público cantou cada um dos versos com uma emoção quase palpável. O solo de guitarra é excepcional e conta com um feeling incrível.
Chegando perto do final do show, Chris Dovas fez um solo de bateria que precedeu uma dupla de músicas de The Legacy: a brutal “First Strike is Deadly” e a icônica “Over the Wall”, um dos maiores clássicos da banda, que foi entoada do início ao fim pelo público, incluindo a belíssima melodia de um dos solos de guitarra.
A penúltima música foi “More Than Meets the Eye”, cuja introdução foi, surpreendentemente, um dos maiores coros da noite, e o fechamento veio com a indispensável “Into the Pit”, uma das músicas mais legais do thrash oitentista e, curiosamente, a única representante de The New Order, possivelmente o álbum mais celebrado da carreira da banda.
O encerramento não poderia ser melhor: após um show recheado de surpresas, a banda se despede com uma música que não apenas é uma das melhores de sua carreira, mas também uma das representantes mais perfeitas da sonoridade que fez os fãs se apaixonarem por uma das bandas mais amadas por fãs de thrash metal.
Repertório
Practice What You Preach
Sins of Omission
Perilous Nation
The Pale King
The Haunting
Rise Up
D.N.R. (Do Not Resuscitate)
Low
Native Blood
Trail of Tears
Electric Crown
Souls of Black
Return to Serenity
First Strike is Deadly
Over the Wall
More Than Meets the Eye
Into the Pit

