[Resenha] Quilombo – Itankale

Quilombo – Itankale
Material gentilmente enviado por Sangue Frio Produções

Por Clovis Roman

O grupo Quilombo tem como proposta lírica questionar e contar acontecimentos da humanidade ouvindo o lado daqueles que foram deixados de lado, segundo eles, durante a escrita da história. Seus temas cantam momentos contados pelas vítimas, pelos escravizados, pelos oprimidos, como indígenas e pessoas de origem africana em geral. O primeiro artefato discográfico do grupo é Itankale, um EP com seis faixas em pouco menos de 20 minutos. O grupo conta com Allan Kallid na guitarra e baixo e Panda Reis na bateria e vocal. Ambos tocam também no Oligarquia, sendo que Panda é membro fundador.

Nas redes sociais, a banda brada seu slogan: “Death Metal contra o racismo”. Nesse disco, afirmam como “os africanos estão escrevendo seu passado, sua história, com a veracidade dos reais fatos, pela ótica de quem apanhou, de quem foi acorrentado e arrancado de seu país e de seu povo, que foi açoitado, torturado e morto em troncos e caçados nas matas”, de acordo com seu press-release. A capa já sugere o conteúdo lírico e social do conjunto, ao mostrar diversas personalidades negras de diferentes eras. O som deles também incorpora elementos do grind e além disso tudo, a percussiva música afro.

O disco abre com cantos indígenas, e após cerca de um minuto começa a pancadaria. A gravação é bem suja, quase um disco de Black Metal das antigas. Mas o som vai mais para o Thrash Metal, somado a algo do Death. “Melanina” traz passagens mais densas em sua segunda metade, que incorporam batidas tribais que remetem ao tema do disco, que vão crescendo até o encerramento junto a guitarras minimalistas e ruídos. O estranhamento é imediato. Mas é algo que surpreende por ser diferente, única e exclusivamente.

E essa sensação permanece em “Ancestralidade”, que começa com um sampler de “When the Hurt is Over”, um Soul/Blues do cantor americano Mighty Sam McClain. O som aqui é um tanto mais cadenciado que a anterior, com uma aura mais Black Metal. As quatro faixas seguintes são muito mais curtas. Começando com “Treze Nações”, abrindo com um berimbau, logo deixado para trás em um som calcado no grindcore, tanto no instrumental quanto nas vozes. A parte lírica descreve a dominação européia que destruiu o Congo e suas particularidades culturais, com a mesma estratégia usada no Brasil e em tantos outros lugares: Empurrando goela abaixo dos nativos a corrosiva crença cristã, para fins de exploração e escravização. “Descendentes de Reis” carrega a mesma fúria e lógica musical, com a cultura afro no passar dos séculos sendo a narrativa. Na intro, “Nomathemba (A Girl’s Name)”, da Ladysmith Black Mambazo. Na língua Zulu, Nomathemba significa esperança – além de ser nome de menina, como o título preconiza.

Parte traseira da embalagem do CD.

Todas as músicas do Quilombo tem introduções de outros artistas. Em “Semi Deusas” é “Interlúdio”, do álbum Mirando Al Frente, de Silvallaman, lançado em 2016. Quando a pancadaria começa, um Death Metal com bons riffs se faz presente. Os vocais esganiçados e a bateria reta – além do solo na linha Slayer – a tornam a melhor das faixas apresentadas em Itankale. Com rápida citação à “Mensagem Antiga”, do coletivo musical Cidade Verde Sounds, a derradeira canção é “Diáspora d.C.”, uma paulada na linha Brujeria / Napalm Death, com pouco menos de 2 minutos. Aqui a letra relata como o branco sobrepujou os africanos, os desrespeitando como seres humanos e toda sua cultura, desde o descobrimento do Brasil até os dias atuais, culminando com a crítica a apropriação cultural do Carnaval, que virou uma máquina de fazer dinheiro… para os brancos.

O EP do Quilombo conquista por seu estudo aprofundado nas mazelas do povo preto no decorrer da história, contando a história do lado da vítima, e não do opressor. Os elementos africanos advindos da participação do percussionista Binho Gerônimo nos atabaques e agogô (ele, por exemplo, toca samba com o Bando de Lá e com a cantora Roberta Oliveira) e os samples citados acima dão uma característica única ao som. Que o próximo lançamento venha com uma gravação mais apurada, para evidenciar ainda mais toda o contexto histórico abordado no disco. Se o esmero com a gravação fosse igual ao esmero demonstrado no conteúdo lírico e posicionamento, era nota 10 na certa.

Em tempo: O termo Itankale, em iorubá (dialeto falado em países africanos como Nigéria, Benim, Togo e Serra Leoa), significa espalhar, difundir.

Capa de Itankale, disco de estreia do Quilombo.

Músicas
1. Melanina
2. Ancestralidade
3. Treze Nações
4. Descendentes de Reis
5. Semideusas
6. Diáspora D.C.

Conheça mais sobre a banda e sua ideologia:
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www.twitter.com/quilombodeath