De todos os movimentos artísticos/sociais que temos por ai, cada qual com sua respectiva mensagem e protesto, o mais, na falta de uma palavra melhor, “pessimista” é o Cyberpunk: grandes corporações privadas e o individualismo desenfreado tomando conta de um mundo (quase) totalmente tecnológico e descrente de qualquer bondade genuína é o que contrasta de um mundo cercado de luzes, propagandas, prédios…e sons. A música faz parte da ambientação e climatização de um lugar, momento ou mensagem e isso eu já disse várias vezes aqui, mas no caso do Cyberpunk, tem uma pitada a mais no aspecto “preparação”. Enquanto outras músicas tem o papel de ambientar o expectador para uma imersão, o som que temos aqui também prepara o ouvinte para o que tem e o que acontece aqui. Enquanto runas, desenhos rupestres e similares cumprem o papel de contar o ocorrido ali naquela época, a sonoridade aqui conduz para uma mesma função. Barulhos de martelos batendo no metal, batidas mais pesadas e constantes, e um som, a primeiro momento repetitivo, mas que gruda na mente depois de um tempo, tal qual um código de barras, mostra o resultado da mensagem: esse mundinho não é fácil.
Dos sintetizadores mais calmos e reflexivos de Vangelis, em Blade Runner, passando pelo coral japonês com leves tambores de Kenji Kawai, em Ghost in The Shell, aumentando a tensão, a cada batida, composta por Brad Fiedel em Terminator, até chegar ao “épico eletrônico”, ora de Don Davis, ora de Juno Reactor, em Matrix, a sonoridade aqui citada torna-se apenas um passeio no parque, tamanha variedade sinestésica de sons…e eu digo “sinestésica” pois é pouco provável que, se você viu pelo menos um dos filmes acima, não associe as músicas ali tocadas as cores e luzes de cada obra, e essa é uma característica MUITO presente em ambientação Cyberpunk pois, reitero, se outrora o papel da música é a ambientação, aqui é, também, de preparação. Para ilustrar o que quero dizer, basta relembrar como inicia o filme Matrix, com o logo da Warner Bros esverdeado, várias trombetas pesadas de fundo, contrastando e harmonizando com estáticas de computador e um céu cinza, passando, mesmo indiretamente, uma mensagem: você está pronto para este mundo?
Diferente de Matrix, que aposta no mistério e numa preparação mais “estranha”, as trilhas de Vangelis, em Blade Runner, são quase uma guia para os olhos, como se o olhar tivesse som…e guiasse a visão para fitar o mundo de cima a baixo, tornando a composição técnica e artística uma estrada sonora e visual, a qual você até sabe o que vem a seguir, mas espera da mesma forma. Seguindo a mesma linha de raciocínio está Kenji Kawai, em Ghost in the Shell, que gera a quebra de expectativa com músicas tradicionalmente japonesas, mas que, em comunicação com aquele mundo, usa a percussão de tambores para conversar com as batidas já bem familiares nesse universo tecnológico, tornando a música parte integral dessa mitologia futurista.
https://www.youtube.com/watch?v=I9Pq0BVm38k
Ghost in the Shell OST – Full Album, por Kenji Kawai
https://www.youtube.com/watch?v=6Cwi0pkhoSE
Terminator Theme, por Brad Fiedel
https://www.youtube.com/watch?v=kIXNpePYzZU
Main Title/Trinity Infinity – “the matrix”, por Don Davis
Nos games, embora o cenário Cyberpunk tenha adquirido um Hype histórico com o lançamento de Cyberpunk 2077, e com músicas igualmente originais (com direito a uma banda própria e fictícia para o game), o cenário musical de game tracks para o ambiente cyberpunk seguiu a linha cinematográfica. Podemos localizar facilmente as similaridades, como Deus Ex Human Revolution com Blade Runner, Perfect Dark com Terminator, Detroit Become Human com Matrix, dentre tantas outras, mas cada um com aquele tempero auditivo que os destaca e diferencia de suas respectivas inspirações. Os sons em mid tones auxiliaram um bocado nas produções antigas, como system shock e flashback, sem abandonar as clássicas percussões da ambientação do futuro…mas preciso citar uma preciosidade que vai contra a maré da imensa maioria das OST aqui citadas e que, na minha singela opinião, merece um destaque especial. O game Indie Transistor, da produtora Supergiant games, com os sons compostos por Darren Korb, é um caso a parte pois ele se utiliza do (talvez não tão) óbvio para passar uma outra linguagem a ambientação Cyberpunk: a melancólica. Além de não abandonar as batidas clássicas, ele as usa como plano de fundo, dando lugar a um lo-fi de excelente qualidade e usando de uma estratégia metalinguística, usando da própria música para preparar para o som seguinte…uma obra prima!
https://www.youtube.com/watch?v=Ns7fNPiNiNc
Deus Ex: Human Revolution – Icarus (Main Theme), por Michael McCann
https://www.youtube.com/watch?v=XDW2YUjrKlk
Perfect Dark – Institute Menu, por Grant Kirkhope
https://www.youtube.com/watch?v=fPt4tMP6qWo
Detroit: Become Human – Not Just a Machine, por Philip Sheppard
https://www.youtube.com/watch?v=6CalFsdE4tA&list=PLF2E2D1B4832DCE95
System Shock – intro, por Greg LoPiccolo e Tim Ries
https://www.youtube.com/watch?v=WVl9BuyVKMg&list=PL-vD6rIjXrcJVVjwyBHiWAb4FsmvDIyhw&index=2
Flashback: The Quest for Identity – SNES – Opening, por John Hancock, Jean Baudlot e Fabrice Visserot
https://www.youtube.com/watch?v=ql8K3KJyWgY
Transistor – Old Friends, por Darren Korb
https://www.youtube.com/watch?v=sOhnb7VI6jM
MENÇÃO HONROSA: Artificial Intelligence Soundtrack – Stored Memories and Monica’s theme, POR John Williams
Não posso encerrar esse texto sem citar a influência desse estilo no próprio cenário musical como um todo. “Música eletrônica” e “industrial metal” são dois dos exemplos de estilos musicais que são usados nas mídias até enferrujar (ba dum tss). Fear Factory, Rammstein, Dope Stars Inc., The Enigma TNG, Daft punk e Boris Brejcha são só alguns exemplos das trocas constantes de influências, participações e complementos desse cenário musical.
https://www.youtube.com/watch?v=IxuEtL7gxoM
Rammstein – Ich Tu Dir Weh
https://www.youtube.com/watch?v=AkNbCvjVYLA
Dope Stars Inc. – Neuromantics
https://www.youtube.com/watch?v=4-oGk8al9Uo
The Enigma TNG – Titans In Desolation
https://www.youtube.com/watch?v=PXYeARRyDWk
Daft Punk – Human After All
https://www.youtube.com/watch?v=KckyoKxvHq0
Boris Brejcha – Luna Lena [Melodic Progressive House Mix]
https://www.youtube.com/watch?v=G70S5fumHso
Hyper – Spoiler (Tema do primeiro trailer de Cyberpunk 2077)
Se não acredita, pega qualquer uma destas OST em qualquer plataforma… Spotify, Deezer, etc…. e você vai achar pelo menos uma banda ou um compositor que faz parte dessas soubdtracks, magistralmente…
…ou você pode optar pela pílula azul.
texto e artes por Julian Dedablio